Crônicas da pandemia

Um ano para esquecer???

Uma parte das cidades brasileiras não chegam a 5.000 habitantes. Apesar disso, problemas de toda ordem exigem um controle rigoroso pela administração pública com intuito de oferecer o melhor possível ao munícipe. Em estreita analogia, o nosso Ipê Clube não fica atrás desse número: hoje somos uma "diminuta cidade" com cerca de 4.500 sócios adimplentes. Nesse contexto, a diretoria se configura como o poder executivo, o conselho tem o papel do legislativo e as comissões o judiciário. E foram essas três instâncias de nossa instituição, capitaneada pela diretoria executiva, que assumiram a responsabilidade de traçar os caminhos para o enfrentamento da pandemia e o fez com muita eficiência, seguindo as determinações das autoridades da nossa e estado. 

A pandemia começou no ano passado, mas ninguém imaginava que se estenderia por tanto assim. Lembro que em março de 2020 eu estava, pela primeira vez, num cruzeiro curto no litoral quando o então presidente, Antonio Arruda, tentou inúmeras ligações sem sucesso pela ausência de sinal. Além dele, outro diretor, o Correa, mais conhecido como Cachito, tentou me encontrar várias vezes. Bem, quando chegamos próximos à terra firme, o contato foi reestabelecido e conseguimos nos falar. A pauta: "Everson precisamos analisar a possibilidade de fechar o clube". Ainda não tinha sido determinado oficialmente o fechamento de atividades não essenciais, isso seria uma iniciativa do próprio clube. Conversei com o presidente diversas vezes, e longamente, até chegarmos à conclusão, com a anuência de outros diretores, que deveríamos fechar.  

Durante o período que ficamos fechados, houve muito trabalho da equipe para elaborar, adaptar e aprovar os protocolos de segurança sanitária pensando na possibilidade de uma abertura gradual e em consonância às normas do governo municipal e estadual. Muito trabalho em meio ao caos, medo e incertezas. Foram pouco mais de 100 dias assim, sem a presença do associado. Aos poucos o clube foi retomando a rotina abrindo gradativamente o que era permitido pelas autoridades. As atividades tinham que ser limitadas, os associados estavam receosos e precavidos, com razão, muitas vezes preferindo ficar em casa, a frequência não era mais a mesma e havia todo o remanejando do pessoal, treinamentos, novas escalas de horários e assim por diante. E isso tudo assistindo o avanço dessa doença que levou a óbito muitas pessoas, algumas conhecidas e muito próximas, todos vítimas do COVID 19. Além de todo esse temor pelo desconhecido, tivemos que enfrentar uma enxurrada de notícias falsas, teorias conspiratórias, promessa de curas e remédios milagrosos e um debate político tão polarizado que causou um verdadeiro desserviço à população num cenário de enorme covardia com a nossa saúde e de tantos brasileiros.

Eu mesmo fui exemplo de quem precisava trabalhar com muito medo, tanto quanto a vontade e necessidade de ajudar o próximo em uma situação muitas vezes assustadora. Sou médico, essa é a minha profissão e é isso que eu sei fazer... bom pelo menos eu e meus pacientes achamos... rsrsrs.

Durante todo esse tempo, todos passaram a exaltar profissionais da saúde como heróis. Sim, são heróis porque salvam vidas muitas vezes colocando a sua própria em risco. Mas tem muito mais gente que se arriscou para que as coisas não parassem de vez. Foram os caminhoneiros, pessoal das indústrias, trabalhadores de setores essenciais e tantos outros segmentos. Um verdadeiro time de heróis. E não vamos esquecer de todas as pessoas que entenderam a gravidade da situação e tiveram que mudar radicalmente sua vida para superar momentos muito ruins com perda de trabalho, redução de renda e todos os desafios impostos pelo confinamento. Enfim, o POVO BRASILEIRO foi, e está sendo, herói também.

Agora, isso tudo que nos aconteceu é para esquecer? NÃO, não é.... Falo por mim. Aprendi coisas em família, desenvolvi novas habilidades e resgatei outras adormecidas. Trabalhei no enfrentamento a pandemia, aprendi a jogar dama e xadrez com meus filhos, descobri que meu caçula tem uma pinta de beleza que em 6 anos não havia percebido, fiz refeições com família à mesa (evento raro até então em casa), brinquei mais, ouvi mais, briguei mais, abracei mais, ajudei mais o próximo, rezei mais, liguei  mais para meus pais, consegui ver o sol nascer e se pôr algumas vezes, limpei a casa, lavei louça e com isso percebi de fato o quanto minha esposa é uma gigante tendo feito tudo isso sempre, sendo médica também. Minha mulher maravilha.

A vacina chegou para a imunização da população, aos poucos volta uma sensação de segurança em todos os rincões desse país e cresce a expectativa do retorno à uma vida normal, ou novo normal, como tem sido dito por aí. É possível que hoje já estejamos com próximos à soma de 50% população de imunizados, seja pela vacina ou por ter contraído a doença e superado esse risco. Em mais algumas semanas chegaremos no cut-off necessário para a tão esperada imunidade de rebanho (65-70%) onde a maioria, já imunizada, formará uma bolha de proteção àqueles que não foram expostos ao vírus.

Ou seja.... os anos de 2020 e 2021 não são anos para a gente esquecer e sim, para SEREM LEMBRADOS por todo esse aprendizado que adquirimos.

Everson L.A. Artifon
Diretor de Saúde e Sanitarismo

Compartilhe