Prêmio Nacional de Literatura dos Clubes 2019

Evento aconteceu dia 25 de junho.

O escritor José Luiz Dias Campos Júnior foi o representante do Ipê Clube a ser premiado com Menção Honrosa, no Prêmio Nacional de Literatura dos Clubes - 2019, com a crônica “Fancaria literária”. 

Ademais, o representante foi contemplado com uma incrível posição da Comissão Julgadora, cuja declarou que a terceira menção honrosa é pura literatura, desde o tema (Fancaria literária).

Parabéns Dias! O Ipê agradece sua dedicação.

Confira a crônica premiada:

 

FANCARIA LITERÁRIA

Não me canso de afirmar a atualidade de Machado de Assis. E a cada vez que identifico histórias narradas em seus textos – sobretudo nas crônicas – com fatos noticiados no jornal de que sou assinante, vou logo ao computador escrever um artigo, em que demonstro essas constatações para depois publicá-las nas redes sociais, compartilhando, assim, de um prazer que com certeza não é só meu.

Interessante mencionar que não apenas fatos são identificáveis. Às vezes, todo um romance pode ser objeto dessa curiosa constatação.

Ontem, mesmo, passeava com minha cadelinha, quando acabei topando com uma dessas feiras de antiguidades, muito comuns aqui na cidade. E como fazia tempo que não ia a esse tipo de atração, resolvi matar a saudade e comecei a explorar os estandes.

Detive-me em um que vendia revistas e livros antigos, e passei a xeretar.

A par do meu interesse ter sido abruptamente interrompido pela libido de um Poodle mal-intencionado que se aproximara da minha imaculada Yorkshire, meus olhos acabaram se voltando para certas brochuras com que pensava nunca mais me deparar.

É verdade que longe estavam de ser classificadas como antiguidades – qualquer artefato que tenha mais de cem anos. Mas todos sabemos que nessas feiras há de tudo um pouco.

Fixei os olhos em um daqueles exemplares e confirmei tratarem-se dos manjados, lamuriosos e açucaradíssimos romances a ghostwriters, cujas capas ainda fazem suspirar mais de uma alma enamorada, graças ao apelo romântico que delas transborda, e cujos títulos, sempre nomes próprios femininos, parecem incendiar o imaginário das leitoras, que neles se projetam com furor adolescente.

Mesmo correndo o risco de ser caçoado por algum amigo que recém-chegasse, minha curiosidade falou mais alto, e acabei pegando um daqueles livros.

O dono do estande, talvez porque percebesse o meu súbito interesse, talvez porque as vendas estivessem fracas, ou talvez, e o mais provável, porque me achasse um panaca, resolveu puxar conversa e foi logo tecendo elogios ao achado em minhas mãos.

Um deles me fez levantar a sobrancelha direita. Afirmou que se meu objetivo era presentear a minha esposa – por óbvio percebera a aliança –, acertara em cheio na escolha, pois as mulheres casadas ainda se derretem pelas histórias com final feliz.

E terminou aconselhando-me que garantisse uma das três preciosidades que sobraram, pois a procura por esse tipo de literatura é muito grande, e já vendera outro best-seller logo nas primeiras duas horas desde o início da feira.

Agradeci a (desesperada) tentativa, devolvi o “clássico”, e continuei o passeio.

Ria por dentro, pois comparava aqueles romances aos dramalhões mexicanos, que a uns rendem lágrimas, a outros, risos, e a outros mais, enjoos. – Deixo ao amigo leitor descobrir em qual categoria eu me encaixo.

De repente, fui tomado por uma sensação de alegria, pois, se minha memória não me enganava, uma crônica do Bruxo do Cosme Velho, que li há tempos, amoldava-se como uma luva àquele favorito ao Ig Nobel. Faltava, apenas, ir ao texto para confirmar.  

Já em casa, corri à biblioteca à procura das obras do nosso sempre Machado. Seria preciso uma boa dose de paciência para reencontrar, entre tantas coleções, a crônica que procurava.

Menos mal que achei o texto na quarta tentativa.

A crônica intitulava-se Os fanqueiros literários. Fanqueiro era o comerciante que vendia tecidos grossos, mal-acabados. Assim, o pai de Dom Casmurro criticava o profissional que, visando ao rechear dos próprios bolsos, usava o seu talento para convencer os leitores incautos de que as porcarias literárias que oferecia eram verdadeiras obras-primas. Para isso, usava e abusava da lábia, adaptando-a conforme a “ondulação das espáduas do paciente freguês.” E haja freguesia satisfeita, sobretudo em Paris!

Concluída a leitura, fui tomado por nova sensação, a da euforia. Com efeito, minha memória não me enganara, pois aqueles romances de autores fantasmas são, sim, excelentes exemplos do tecido grosseiro, por vezes mofado, com que eventuais e pretensos fanqueiros literários procuram persuadir as eternas sonhadoras.

Nesse sentido, se antes a lábia era uma das mais expressivas características com que aqueles andarilhos conquistavam as suas vítimas, a importância dessa habilidade parece ter diminuído aos olhos das editoras.

É que temos que levar em consideração o progresso que as beneficiou. Assim, e graças ao marketing, nada melhor do que deixar ao talento romanesco dos capistas a missão de seduzir o maior número de consumidoras desavisadas.

Ah! que diferença abissal separa o fanqueiro literário do livreiro celebrado por Monteiro Lobato!... – “o abnegado zelador da lâmpada em que arde, perpétua, a trêmula chamazinha da cultura”.

Pois se a fancaria literária lamentavelmente ainda existe, miremo-nos naqueles zeladores, e, convictos, tratemos nós de atiçar aquela acanhada chama! As futuras gerações só terão a nos agradecer.

 

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